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quarta-feira, 8 de abril de 2015

“Mensagem” vs. “Os Lusíadas”

Semelhanças: concepção mística e missionária/missionante da história portuguesa, preocupação arquitectónica: ambas obedecem a um plano cuidadosamente elaborado, o reverso da vitória são as lágrimas.
Diferenças:
۰        Os Lusíadas foram compostos no início do processo de dissolução do império e Mensagem publicada na fase terminal de dissolução do império;
۰        Os Lusíadas têm um carácter predominantemente narrativo e pouco abstratizante, enquanto que Mensagem tem um carácter menos narrativo e mais interpretativo e cerebral;
۰        no primeiro o Adamastor é sinónimo de lágrimas e mortes, sofrimento e audácia que as navegações exigiram, enquanto que no segundo simboliza os medos e terrores vencidos pela ousadia;
۰        nos Lusíadas o tema é o real, o histórico, o factual (os acontecimentos, os lugares), em Mensagem o tema é a essência de Portugal e a necessidade de cumprir uma missão;
۰        para Camões os deuses olímpicos regem os acidentes e as peripécias do real quotidiano, para Pessoa os deuses são superados pelo destino, que é força abstracta e inexorável;
۰        nos Lusíadas os heróis são pessoas com limitações próprias da condição humana, mesmo se ajudados nos sonhos pela intervenção divina cristã ou pelos deuses do Olimpo, em Mensagem os heróis são mitificados e encarnam valores simbólicos, assumindo proporções gigantescas;
۰        Lusíadas: narrativa comentada da história de Portugal, Mensagem: metafísica do ser português; Lusíadas: heróis e mitos que narram as grandezas passadas. Mensagem: heróis e mitos que exaltam as façanhas do passado em função de um desesperado apelo para grandezas futuras;
A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria portuguesa.



 

Os Lusíadas



Mensagem
ü  Homens reais com dimensões heróicas mas verosímeis;

ü  Heróis de carne e osso, bravos mas nunca infaliveís;
ü  Heróis mitificados, desincarnados, carregando dimensões simbólicas

v          Brasão ® Terra ® Nun’Álvares Pereira
v          Mar Português ® Mar ® Infante D. Henrique
v          O encoberto ® Ar ® D. Sebastião
(de uma terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-se um império. Depois o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz a esperança de um Quinto Império)
ü  Herói colectivo: o povo português
ü  Virtudes e manhas
ü  Heróis individuais exemplares (símbolos)

ü  D. Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados;
“tenro e novo ramo”            

ü  D. Sebastião mito “loucura sadia”
Sonho, ambição
(repare-se que d. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, como se  quisesse dizer que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento num longo período de letargia)

ü  Celebração do passado – história
ü  Glorificação do futuro – símbolos
ü  Messianismo a mola real de Portugal
ü   
ü  Narrativa comentada da história de Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)
Teoria da história de Portugal
ü  Metafísica do Ser português
ü  Três mitos basilares:
o   Adamastor
o   Velho do restelo
o   A ilha dos amores
ü  Tudo é mito
“o mito é o nada que é tudo”



ü  acção
ü  contemplação
ü  altiva rejeição do real
ü  império feito e acabado
ü  Portugal indefinido, atemporal
ü   
ü  Saudade profética ® saudades do futuro
ü  Façanhas dos barões assinalados
ü  Matéria dos sonhos
ü  Temporalidade

ü  Atemporalidade mística
ü  Síntese pagão e cristão
ü  Síntese total (sincretismo religioso)
ü  D. Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade
ü   Portugal como instrumento de Deus
(os heróis cumprem um destino que os ultrapassa)
ü  cabeça da Europa
ü  Rosto da Europa que aguarda expectante o que virá
O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.
Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.
          A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida  e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com modernidade, mas também com a herança da memória.
  Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.
Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definível pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano 
absurdo.
           O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da história nacional.
          A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.

“A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões, em Os Lusíadas, conseguiu fazer a síntrese entre o mundo pagão e o mundo cristão, Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total, perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.”

Quadro-Síntese
Temáticas
Estilísticas
Nível Fónico
Nível Morfossintático e semântico
-         Nacionalismo mítico
-         Sebastianismo e saudosismo
-         Simbolismo templário e rosacruciano
-         A ideia de predestinação nacional
-         A mitificação dos heróis
-         Intuição de um destino colectivo
-         Ocultismo procura de uma correspondência entre o visível e o invisível
- musicalidade:
-          Rima
-          Ritmo
-          Aliteração
-         Versificação        regular e tradicional:  variedade atrófica, com predomínio da quadra e da quintilha
-          Encavalgamento
-         expressão épico-lírica
-         linguagem metafórica, aforística, solene, simbólica
-         paradoxo, antítese e oxímoro
-         hiperbarto

“Mensagem” vs. “Os Lusíadas” Reviewed by vanda mata on 12:59 Rating: 5 Semelhanças: concepção mística e missionária/missionante da história portuguesa, preocupação arquitectónica: ambas obedecem a um plano cu...

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